sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Múltiplas vozes



Em busca da essência da verdade, às vezes nos desiludimos, pois muitas das idéias que julgávamos exatas e infalíveis são relativizadas. Antes de tudo, sabemos que as Representações são significações dos diversos discursos sociais. Esses discursos são, para nós, mais ou menos verdades, dependendo de se, como e quando chegam até nós. Isto quer dizer que a nossa percepção de verdade vai depender da nossa relação com o discurso que nos atinge.
Daí chegamos a um outro ponto em nossa observação, as representações são formas de pensamento e de linguagem. A linguagem, por sinal está profundamente ligada a todo o tipo de atividade humana. Segundo Vigotsky a linguagem é exatamente o que nos faz seres "pensantes", diferentes dos animais. Indo além, temos o maravilhoso estudo de Bakthin sobre as relações dos discursos. Num trecho do trabalho de Maria Celeste Said Marques, da UFRO, lemos que, para o pensamento Bakthiniano "a interação entre interlocutores é o princípio fundador da linguagem. É na relação entre sujeitos, ou seja, na produção e na interpretação dos textos que se constroem o sentido do texto, a significação das palavras e os próprios sujeitos. Com efeito, pode-se dizer que a intersubjetividade é anterior à subjetividade. Esta é o resultado da polifonia das muitas vozes sociais que cada indivíduo recebe, mas que tem a condição de reelaborar, pois como ensina Bakhtin/Voloshinov, 'o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata' (1992a:46)".

Em uma pesquisa sobre as representações sociais da televisão, entrevistei algumas pessoas que me contaram como se deu a formação de novos conceitos a partir de conceitos vindos da telinha. Um homem de pouco mais de trinta anos disse que assistia ao sítio do Pica - Pau Amarelo, aquela primeira versão dos anos 70/80. ele era uma criança evangélica. A TV lhe mostrava um ser fantástico e mítico, típico da cultura brasileira, a igreja lhe falava que sacis não existiam, mas que existiam demônios que levavam pessoas ao engano. Os amigos e parentes compartilhavam da representação de que o saci era um menino de uma perna só que aprontava muitas coisas ruins, contra crianças mal-educadas (falavam isso pra fazer as crianças se comportarem), mas o saci da TV era bonzinho.

Diante desse conflito todo o menino começou a achar que:

1.: o saci existia sim, daquele jeito que mostrava na TV (ele disse que tinha medo de passar sozinho embaixo de árvores com grandes copas, tal qual a imagem do saci que geralmente aparecia no quintal de Dona Benta, onde haviam várias árvores frondosas).

2.: O saci era MAU como os adultos disseram e não como a TV mostrava.

3.: O saci era um demônio que usava a forma do saci para levar pessoas ao engano e fazer maldades, o que justificava seu medo.

Dessa forma, várias vozes (inclusive a dele) contribuíram para o que o menino tomou como Verdade.

Mais uma vez, o assunto não acaba aqui, mas a partir deste ponto já podemos começar a observar o mundo de representaçõese de discursos e traçar boas observações.

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